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Folha: "Jerusalém dos trópicos"

Em "Arrancados da terra", Lira Neto resgata a diáspora dos judeus no Nordeste do Brasil, que ganhou ares de nova terra prometida durante a ocupação holandesa e a Inquisição




Reinaldo José Lopes

Folha, 08./03/2020


Em 1640, depois de enfrentar anos de controvérsias teológicas e falta de dinheiro em Amsterdã, o erudito judeu Menasseh ben Israel decidiu que era hora de mudar de ares. Mas, para isso, precisava de uma boa oferta de emprego, de preferência como rabino. Tentou obtê-la dedicando o segundo volume de sua obra magna, “O Conciliador”, a correligionários endinheirados numa terra tropical do outro lado do Atlântico.


“Aos nobilíssimos e magníficos srs. David Senior Coronel, Abraão de Mercado, Jacob Mocata, Isaac Castanho e demais senhores de nossa nação, habitantes no Recife de Pernambuco”, escreveu ele. “Tendo eu decidido partir para as distantes latitudes do Brasil, resolvi mandar-vos um sinal de minha erudição e engenho.”


Apesar dos elogios, Menasseh ben Israel não conseguiu o posto de rabino da recém-criada sinagoga do Recife —a honra coube a outro sábio de Amsterdã, Isaac Aboab da Fonseca. Mas a dedicatória ajuda a mostrar como, durante o breve período de dominação holandesa do Nordeste (1630-1654), as zonas açucareiras do Brasil ganharam ares de nova Terra Prometida para a comunidade judaica de língua portuguesa.


Essa diáspora, formada por refugiados e vítimas da Inquisição que, apesar de tudo, ainda relutavam em cortar de vez os laços com seu passado ibérico, é o tema de “Arrancados da Terra”, novo livro do escritor cearense Lira Neto, 57. Deixando de lado a história moderna do Brasil, que abordou em livros como as biografias de Getúlio Vargas e do padre Cícero, o autor mostra como a história de perseguição e resiliência dos judeus lusos se insere num mundo profundamente “globalizado” já no século 17.


“Ao mergulhar nos documentos, ficou muito evidente que, ao contrário do que pode parecer, esse era um mundo profundamente conectado, e os judeus e cristãos-novos [pessoas de origem judaica cujos ancestrais foram convertidos à força ao catolicismo] davam uma contribuição importante à formação desses vínculos globais”, disse o escritor à Folha.


Lira Neto aproveitou a estada em Portugal, onde atualmente faz seu doutorado na Universidade Nova de Lisboa, para dar forma à narrativa a partir dos personagens revelados pela documentação histórica original.


Trata-se, em parte, de um mergulho nas trevas. Registros da Inquisição portuguesa, armazenados na Torre do Tombo e hoje já digitalizados, são a fonte para os primeiros capítulos do livro: a prisão e as torturas sofridas por Gaspar Rodrigues Nunes, cristão-novo que ainda praticava parte dos rituais judaicos. Nunes escapou por um triz de ser queimado vivo e, ao fugir para a Holanda, adotou o nome de Joseph ben Israel, enquanto seu filho mais velho, Manuel, tornou-se Menasseh.


As agruras dos judeus portugueses tinham começado em 1496, quando o rei Dom Manuel I decretou a expulsão deles de seus domínios, numa lei que entraria em vigor no ano seguinte. Manuel promulgou a lei de expulsão para cumprir os termos de sua aliança matrimonial com a Espanha, que havia tomado a mesma medida anos antes —foi o preço que os “Reis Católicos” espanhóis, Fernando e Isabela, cobraram para dar ao lusitano a mão de sua filha.


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